sábado, 20 de junho de 2015

Lenda Do Girassol * Antonio Cabral Filho - RJ


Conta uma lenda, lá dos mais antigos reinos africanos, que havia uma princesa muito linda, que vivia exibindo seus cabelos trançados com miçangas, fazendo figa a todos os rapazes daquelas redondezas, dona de uma magia muito poderosa, segundo a qual se um rapaz desejado por ela olhasse nos seus olhos, ficaria louco de paixão.

Mas certo dia, num dia especial da sua vida de princesa, num dia muito ensolarado, a princesa saiu a passear lá pelos confins dos seus bosques, das suas florestas, daqueles ermos fins-de-mundo africanos, onde habitam as lendas de Kalunga, deuses e orixás, os quais a princesa conhecia muito bem, e, em certo momento, passando sob um baobá, ela ouviu passos, assovios e voz de alguém cantando. Logo, mais do que rápido, ela parou, e sentou-se sobre um lajedo, enquanto ouvia uma canção entoada com voz maviosa. Diz a lenda que a princesa resolveu deitar-se para relaxar um pouco devido ao cansaço, ouvindo aquela canção. Passado alguns minutos, o vento começou a soprar, refrescando a clareira onde a princesa repousava, a passarada pôs-se a cantar e a fazer acrobacias entre a copa das árvores, tamanha a felicidade causada pela presença da menina majestosa.

Acontece que a princesa adormeceu, pegou no sono e dormiu, lá nos ermos das florestas africanas, entre um frondoso baobá e a montanha rochosa mais temida pelos mandingueiros de todo o sempre, e, segundo a lenda, quem chegasse ali, aos seus pés, jamais voltaria aos olhos humanos. Contam que uma ventania fortíssima começou a retorcer até os carvalhos mais potentes, envergar os frondosos troncos do mogno, despedaçar os velhos cedros, ameaçando inclusive as valentes perobas e os pau-ferros mais temidos pelos lenhadores, a ponto de desaparecer com tudo rapidamente e transformar aquele local em devastada savana, areia quente, calangos e lagartos torrando sob o sol mais escaldante do oeste africano.

 Foi quando a princesa sentiu uma luz forte focalizando seu rosto com tanta luminosidade que a fez  recobrar os sentidos, e ao abrir os olhos, estava nos jardins do castelo de sua família, transformada no mais frondoso girassol, desabrochado com a luz solar focalizando-a pelos olhos do seu príncipe tão sonhado, e que devido à magia dos seus olhos, nem o girassol nem o sol, consegue desvencilhar-se um do outro. E por isso, passam as eternidades brincando de roda um com o outro, para entreter os humanos, encantados pelas lendas.
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domingo, 17 de maio de 2015

FOGÃO DE LENHA * Antonio Cabral Filho - RJ



Quem conhece fogão à lenha? Hoje em dia, pouquíssimas pessoas sabem da existência dele. O avanço das tecnologias obsoletisaram o pobre coitado. Logo ele, senhor das mágicas do sabor. Não existe feijão mais gostoso do que o feito no fogão de lenha. Ah ! Obsoletisaram também a cozinheira. Antes, ela usava o seu vestido caseiro e cobria a cabeça com um pano branco, geralmente de saco de farinha. Agora, as cozinheiras são "produzidas" com roupas adequadas, vestidos coloridos, toucas, luvas, e sei lá mais o quê. Mas a coisa mais fantástica produzida pelo fogão de lenha, é a cozinha. Quase sempre fica toda chamuscada pela fumaça que ele faz; não adianta fazer chaminé e tentar livrar-se dela. O telhado, ah! O telhado é a maior obra feita pelo fogão de lenha. O picumã forma capuchos dependurados no telhado e fica parecendo um enfeite, mas não é! É que a fumaça se junta com as teias de aranha e forma aquelas tochas pretas, agarradas nos caibros e ripas, e as aranhas caem fora! Mas ninguém sabe do pior: quando a família resolve "passar o rodo" nas traquinagens do fogão de lenha, sabe quem paga o pato? Os meninos. Geralmente, os meninos. Na falta deles, serve uma menina. Mas na maioria das vezes, sobra é pra eles. É só pegar a vassoura, por o bonê na cabeça e varrer o telhado da cozinha, tirar todo o picumã, depois passar barro branco no fogão, pra ele ficar "alvinho!", esfregar barro branco nas paredes, de cima a baixo, bem passadinho, pra elas ficarem "alvinhas!", e, para arrematar, passar barro branco no chão, desde os cantinhos até à porta de saída, pra ele ficar "alvinho!", fechar a porta e sair. Umas duas horas depois, pode entrar que está tudo sequinho, lindo, renovado, só para glória da cozinheira!

Mas o fogão de lenha apronta umas e outras com a gente: em 1986 eu fui vender livros no Encontro Anual da SBPC - Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência, em Curitiba - Pr. O encontro findou num sábado, aprontei tudo para voltar pra casa, mas só consegui passagem para a segunda-feira. Como tinha o domingo no meio, fiquei pensando no que fazer. Aí, um grupo de amigos, a maioria livreiros, queria conhecer Morretes, cidade litorânea e portuária cheia de estórias. Diziam que lá tinha surpresas culinárias. Puáia, eu não vim aqui pra comer! Objetei-lhes. Então vamos andar! Respondeu-me o Professor Moacy Cirne. Entramos todos nos carros e largamos. A região é um complexo de serras, tipo Petrópolis, e fomos descendo. Curvas após curvas, até chegarmos a uma baixada, quase entre florestas. Lá longe, avistava-se omar. Vez por outra, apareciam macacos nas árvores, jacus, muita juriti, e, derepente, um tatu cruzou a estrada e quase provoca um engavetamento de carros! Mas pra nossa sorte, não aconteceu nada. 

Chegamos ao pé da serra, um local com poucas casas, a maioria tipo "fazenda", e em algumas, placas com a palavra "PENSÃO" gravada em tábuas anunciando um prato chamado "barreado". Paramos em uma bem rústica, onde uma cozinheira - senhora branca, esguia, alta - mexia um panelão de ferro com uma colher de pau imensa, sobre um fogão de lenha quase redondo, feito para aquele tipo de panela. Descemos dos carros, parecendo uma "tropa", seguindo na direção da mulher e alguém perguntando "tem barreado?"; " tá quase pronto!" foi a resposta da dona. O local era cheio de mesões compridos, bancos, algumas cadeiras rústicas bem antigas, chão de terra, um canavial ao redor, casa quase toda de madeira, cachorros, porcos, galinhas, horta... Me senti em casa, no sítio do meu pai. Aproximei-me da "Dona!" falando baixo e lentamente, perguntei-lhe se tinha algo pra gente molhar a palavra, e, sem parar de mexer a colher de pau imensa, ela mandou a gente se servir no freezer, que tinha cerveja e, se quisesse algo mais, podia pegar na estante, que ficava ao longo da parede. O Professor Moacy Cirne foi o primeiro. Atacou o freezer de cerveja. Pegou um "loura" e se esticou todo numa cadeirona de vime com a garrafa numa mão e a caneca de alumínio na outra. Nesse momento, eu brinquei com ele, falando que para o "Pantaleão", personagem muito popular à época, só faltava o tapa-olho. Logo depois, a Dona veio avisar que já estava pronto o barreado e se quiséssemos, ela podia servir. Ah, nós vimos aqui por isso! Disse a Lurdinha, da geografia da Uff. A mulher espalhou pratos de alumínio e talheres sobre as mesas e a comilança começou. O troço era gostoso demais, e, como eu tava com uma fome dos diabos, comi dois pratos de barreado. Fiquei tão cansado, que fui deitar-me sobre um banco, pra fazer a sesta. E, sinceramente, eu nunca comi algo tão gostoso na minha vida de mineiro, caipirão vindo ládas gerais. 

Hoje, pensando no assunto, sugerido por um amigo, fui procurar a receita num livro fantástico, chamado Fogão de Lenha, de autoria da irmã do Frei Beto, a Maria Stella Libânio Christo, da Editora Vozes, que segue comigo desde os tempos em que conheci minha mulher, a Rose e devido ela gostar muito de receitas, pensei na culinária mineira e comprei esse livro. Ele reúne toda a tradicional cozinha mineira, que aliada à tradicional cozinha nordestina, através da esposa, o que eu quero mais? Não encontrei receita de barreado nele, por se tratar de um prato da culinária paranaense, mas eu compararia o BARREADO a uma feijoada, porém sem aqueles temperos regionais. Experimente !

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domingo, 10 de maio de 2015

Lenda Do Girassol * Antonio Cabral Filho - Rj

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Conta uma lenda, lá dos mais antigos reinos africanos, que havia uma princesa muito linda, que vivia exibindo seus cabelos trançados com miçangas, fazendo figa a todos os rapazes daquelas redondezas, dona de uma magia muito poderosa, segundo a qual se um rapaz desejado por ela olhasse nos seus olhos, ficaria louco de paixão.

Mas certo dia, num dia especial da sua vida de princesa, num dia muito ensolarado, a princesa saiu a passear lá pelos confins dos seus bosques, das suas florestas, daqueles ermos fins-de-mundo africanos, onde habitam as lendas de Kalunga, deuses e orixás, os quais a princesa conhecia muito bem, e, em certo momento, passando sob um baobá, ela ouviu passos, assovios e voz de alguém cantando. Logo, mais do que rápido, ela parou, e sentou-se sobre um lajedo, enquanto ouvia uma canção entoada com voz maviosa. Diz a lenda que a princesa resolveu deitar-se para relaxar um pouco devido ao cansaço, ouvindo aquela canção. Passado alguns minutos, o vento começou a soprar, refrescando a clareira onde a princesa repousava, a passarada pôs-se a cantar e a fazer acrobacias entre a copa das árvores, tamanha a felicidade causada pela presença da menina majestosa.

Acontece que a princesa adormeceu, pegou no sono e dormiu, lá nos ermos das florestas africanas, entre um frondoso baobá e a montanha rochosa mais temida pelos mandingueiros de todo o sempre, e, segundo a lenda, quem chegasse ali, aos seus pés, jamais voltaria aos olhos humanos. Contam que uma ventania fortíssima começou a retorcer até os carvalhos mais potentes, envergar os frondosos troncos do mogno, despedaçar os velhos cedros, ameaçando inclusive as valentes perobas e os pau-ferros mais temidos pelos lenhadores, a ponto de desaparecer com tudo rapidamente e transformar aquele local em devastada savana, areia quente, calangos e lagartos torrando sob o sol mais escaldante do oeste africano.

 Foi quando a princesa sentiu uma luz forte focalizando seu rosto com tanta luminosidade que a fez  recobrar os sentidos, e ao abrir os olhos, estava nos jardins do castelo de sua família, transformada no mais frondoso girassol, desabrochado com a luz solar focalizando-a pelos olhos do seu príncipe tão sonhado, e que devido à magia dos seus olhos, nem o girassol nem o sol, consegue desvencilhar-se um do outro. E por isso, passam as eternidades brincando de roda um com o outro, para entreter os humanos, encantados pelas lendas.
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domingo, 3 de maio de 2015

Dia De Comer O Que Ganhou Atrás * Antonio Cabral Filho - Rj

-Candido Portinari -
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Na casa do meu pai, aos domingos e dias santos, era perna pro ar que ninguém é de ferro! Mas só pra ele, que me mandava arrear seu melhor cavalo e cascava pra cidade, tomar umas e outras, até se lambuzar de baton com as raparigas, pra desgraça de minha mãe. Nós, a criançada, três homens e três mulheres, só saíamos acompanhados de mamãe. Nunca fomos a lugar algum levados por papai. É como se os filhos fossem só dela e todos, vassalos dele, que lhe deviam alguma coisa impagável, o que se tornava uma subserviência eterna, distribuída em diversas funções, como na escravidão, quando os escravos são divididos em ofícios e cada um tem uma responsabilidade. Eu, seria um escravo da pecuária, cuidando do seu gado, dos seus porcos de engorda e cria, da sua criação de galinha, e ainda com a responsabilidade de dar ordens a empregados; seria um escravo-gerente?

Bom, meus irmãos tinham funções mais suaves. Talvez por serem mais novos. Mas não entendo por quê eles tinham mais privilégios do que eu. Por exemplo, uma vez por ano, papai comprava roupa nova para todo mundo; uma vez por ano! Mas todos eles, sem exceção, ganhavam alguma coisa a mais do que eu. Não sei por quê e vou morrer sem saber nem entender. Tudo pra eles tinha de ser melhor do que pra mim e isso levou-me a chorar escondido várias vezes, a ponto de gerar em mim a dúvida da sua paternidade e, soluçando, perguntar a minha mãe se ele era meu pai mesmo. Sua resposta deixou gelado: Já pensou se ele souber disso?! Ameaçou-me ela. E, do meu ponto de vista, com razão, pois era eu quem cuidava de tudo! Desde o recolhimento de animais recem-nascidos, aplicação de remédios, vacinas e rações, em animais com berne ou feridos, eram tarefas minhas. Cortar lenha e estocá-la, era comigo. Pôr água dentro de casa e nos cochos dos animais, era comigo. Socar arroz, moer café, moer milho pra fazer fubá, ou canjiquinha, eram tarefas minhas. À criançada, segundo ele, cabia varrer o terreiro, amontoar as folhas das várias árvores ao redor de casa e queimá-las, recolher os ovos no galinheiro e guardar na dispensa, tomar conta da pintaiada pra não se perder das galinhas-mães, soltar e pastorear leitões, depois recolhê-los aos respectivos chiqueiros pra mamar e dormir. Feito isso, era brincar. Um dos meus maiores prejuízos com isso tudo e que considero o pior de todos é que não conheço nenhuma brincadeira infantil. Nunca brinquei uma festa junina na minha infância, por falta de tempo, pois "EU TINHA O QUE FAZER", segundo meu pai.

Mas, apesar disso tudo, eu tirei proveito. O que eu sei, foi resultado dessa situação: Eu aprendi a nunca me acomodar em profissões.Sempre busquei aprender diversas coisas que pudessem ajudar-me. Uma delas, foi fazer amizade. Amizades sempre voltadas para o que me interessava. Interesseiro, eu? Não! Simplesmente preciso me defender, uma vez que nunca tive quem fizesse isso por mim. Exemplo: um empregado de meu pai ensinou-me os segredos do tiro. O primeiro deles, é segurar a arma com as duas mãos, sempre com um pé atrás do outro. O segundo, é prender a respiração na hora de atirar, para impedir a tremura das mãos. Daí, quando um dia, eu saí pra caçar com meu pai e ele viu eu derrubar um pato de lagoa em pleno voo, perguntou, sobressaltado: "Onde cê aprendeu isso?!". Expliquei-lhe que tinha nascido sabendo e por isso, sempre voltava pra casa com um fiada de caças na vara. E nunca mais falamos no assunto.

Porém, quando eu completei quinze anos, tomei a decisão de sair de casa. Todo mundo riu de mim. Todos, até minha mãe, me ironizavam, debochando do meu raquitismo, que com este corpo, eu nunca arrumaria trabalha nem na zona, e que tinha que ficar de rabinho entre as pernas pra meu pai não me expulsar. Mas, como diz o ditado: a justiça tarda, mas não falta. No meado de junho de 1969, meu tio Sebastião Cabral, que morava no Rio, foi visitar a família. Ao chegar lá em casa, convidei-o para ver a minha porca, com doze leitãozinhos, como álibi para explicar-lhe meus planos. E bastou demonstrar que éramos escravos do nosso próprio pai pra ele comprar o barulho e assumir a tarefa de comunicar a meu pai que o seu "braço direito" vai pro Rio, se virar por sua conta e risco. Assim, no dia seguinte, eu saía da casa paterna, sentindo a sensação de estar deixando o cativeiro, ganhando o mundo que eu conhecia de ouvir estórias e noticiário de rádio. Foi uma choradeira que eu nunca tinha visto, mas acho que não pela minha partida, e sim pela perca do provedor involuntário das satisfações da família. Meu pai se despediu de mim, oferecendo-me as costas da mão direita para eu beijar e nem uma palavra. Mas acho que sei por quê, pois ele estava perdendo TUDO, uma vez que quem provia TUDO era eu. Ele vivia pra negociar gado, cavalos e passarinhos, além de dançar nas catiras do sertão como convidado de honra, ostentando linho branco, bota vernizada e chapéu panamá.

Eu parti à noitinha para Governador Valadares, levando comigo uma malinha de papelão, presente do meu tio "Servino", irmão de minha mãe,  com duas mudas de roupa, constituidas de duas camisas de algodão brancas, usadas para ir à missa aos domingos e duas "calças curtas" de brim azul tipo jeens. Chegamos ao Rio em 16 de junho de 1969, um sábado, às seis horas da manhã. Fazia um frio de rachar, mas pra mim, isso era pinto! Pra quem se levantava às quatro da manhã pra juntar vacas e arrear burro na carroça, depois levar todo o leite do sítio até à rodovia e entregá-lo ao caminhoneiro, que o levaria ao laticínio, enquanto eu voltava e ia cuidar da criação, era mamão com açúcar ! Chegamos à casa do meu tio, no Catumbi, por volta das sete da manhã, com um saco de pão, manteiga, ovos, e um pernil, comprado no pé da favela da Mineira. Foi uma festa de arromba a minha chegada. Fui conhecer a primaiada e outros membros da família que já moravam aqui no Rio, descansei o sábado TODO, coisa que eu nunca tinha feito, e, no domingo, meus primos levaram-me à Praia do Flamengo, que eu achei a coisa mais fantástica do mundo, fui conhecer água salgada,algo que eu nunca imaginara, até que uma onda levou meu calção e eu tive de ficar dentro d'água enquanto meu primo Sadi nadava pra resgatá-lo. Foi hilário! Voltamos da praia, tomei um banho de chuveiro (!), almocei e fui dormir, pois não me aguentava em pé de tanto cansaço.

Eu sei que foi um choque, pois em apenas um ano, eu fui morar sozinho pagando aluguel, fiz uma caderneta de poupança considerável e comprei um lote em Nova Iguaçu, quase à vista, mais devido ao baixo valor da terra naquela região em 1970. Porém, quando eu estirei a rede na varanda da casa do meu pai e me deitei, quem se deitava não era eu, era o menino que nunca teve uma hora de repouso na casa do seu pai. Na hora da janta, ele veio acordar-me, passando sua mão direita em minha cabeça, o que causou-me um susto, pois eu não conhecia esse carinho, pelo menos da sua parte. Era costume do meu avô paterno juntar vaca comigo e emparelharmos os cavalos enquanto ele punha sua mão em minha cabeça, dizendo pra eu ter paciência. Papai perguntou-me se eu descansara bastante e lhe respondi, já prevenindo-o, que num domingo chuvoso, à boca da noite, quando não vale a pena sair em busca de diversão, como diz o senhor, "Hoje é meu dia de comer o que ganhei atrás!". E nunca mais trabalhei para meu pai.
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domingo, 26 de abril de 2015

Fábula Orwelliana * Antonio Cabral Filho - Rj

-internet-
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FÁBULA ORWELLIANA

DURANTE A MINHA INFÂNCIA, VIVI NA ROÇA. E, NÃO SEI SE VOCÊ SABE,  MAS NA ROÇA HÁ O COSTUME DE NÃO SE CONSTRUIR O BANHEIRO DENTRO DA RESIDÊNCIA. OU SEJA, ERGUE-SE UM CÔMODO A UMA CERTA DISTÂNCIA DA CASA, E AÍ FURA-SE UM BURACO NO CANTO PARA DEFECAR E ESVAZIAR O PINICO AO AMANHECER, TOMAR BANHO E GUARDAR AQUELA ROUPA DE TRABALHO A SER USADA NO DIA SEGUINTE.

OCORRE QUE AS CRIANÇAS, GERALMENTE, EVITAM A "CASINHA" DEVIDO À CATINGA E VÃO CAGAR NO MATO. COMO NA MAIORIA DAS CASAS  CRIAM-SE PORCOS SOLTOS, ELES SE HABITUAM A COMER AS FEZES HUMANAS, E PERCEBEM, COM MUITA PERÍCIA, AONDE TEM UM CAGÃO ATRÁS DA MOITA, DANDO, LOGO-LOGO, UM FIM À PAZ DO COITADO, QUE É OBRIGADO A SAIR CORRENDO PARA EVITAR A VORACIDADE DO PORCO POR MERDA.

QUANDO O PORCO SE SATISFAZ COM A TITICA ENCONTRADA, ÓTIMO. MAS NA MAIORIA DAS VEZES, O PORCO QUER MAIS MERDA.  NESSES CASOS, O SUJEITO TEM QUE SE LAVAR PARA TIRAR O CHEIRO QUE O IDENTIFICA PARA O PORCO.

DURANTE A MINHA VIDA TENHO OBSERVADO NOS AMBIENTES QUE FREQUENTO QUE AS CARACTERÍSTICAS DAQUELES PORCOS DA MINHA INFÂNCIA FAZEM PARTE DA PERSONALIDADE DE CERTO TIPO DE PESSOAS. GERALMENTE, ELAS TRABALHAM EM FUNÇÕES DE CONTROLE, CHEFIA, SEGURANÇA ETC, E PERCEBO,  COM CERTA TRISTEZA, QUE UMA DAS CARACTERÍSTICAS MARCANTES DO SER HUMANO, É FAZER MERDA, OU SEJA, SAIR DA LINHA...

QUANDO PERCEBO ALGUÉM EM VIAS DE COMETER UM "DESLIZE" QUE VAI PROVOCAR A "REPRESSÃO" DOS, DIGAMOS ASSIM , SUPERIORES, EU ME APRESSO EM ABORDÁ-LO E EXPOR-LHE ESSE FATO DA MINHA INFÂNCIA, SEMPRE RESSALTANDO: " NÃO DÊ MOLE PARA OS PORCOS PORQUE ELES ADORAM MERDA!"
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domingo, 19 de abril de 2015

Máfia Dos Velhinhos - Antonio Cabral Filho - Rj

(internet)
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  MÁFIA DOS VELHINHOS

ERA MUITO ENGRAÇADA A CONVERSA DOS VELHINHOS. ELES SE ACHAVAM O MÁXIMO POR FAZER PARTE DA CORRUÇÃO. DEBOCHAVAM DO GOVERNO PELO SEU SOFRIMENTO COM O FOGO-CERRADO DA IMPRENSA. "OLHA A CARA DA "DIMINHA!"" E RIAM, RIAM À BALDE. MESMO QUEM NÃO TIVESSE INTERESSE NO ASSUNTO, NÃO TINHA COMO FICAR INDIFERENTE, POIS OS DANADOS RIAM, RIAM HILARIAMENTE DAS DENÚNCIAS DE CORRUPÇÃO QUE A OPOSIÇÃO LANÇAVA CONTRA O GOVERNO, ENQUANTO AGUARDAVAM PARA SACAR.

MAS AS RAZÕES DE SUAS IRONIAS ERA O FATO DE SEREM APOSENTADOS E AINDA INTEGRAREM A FOLHA DE PESSOAL DOS SEUS PARLAMENTARES, TODOS DA OPOSIÇÃO, E RIEM, CADA VEZ MAIS HILARIAMENTE COM OS "RETRUQUES" DOS POBRES DEPUTADOS DO GOVERNO, UMA VEZ QUE, AGORA, FRISAVAM OS "PÉ-NA-COVA", ERA A VEZ DELES SEREM "VIDRAÇA".

A COISA FICOU AINDA MELHOR QUANDO UM DELES PERGUNTOU AO OUTRO SE SUA NETA MAIS NOVA JÁ COMPLETARA MAIOR IDADE, RESSALTANDO QUE NÃO TOLERAVA DESEMPREGO, NEM NA SUA FAMÍLIA NEM NA DOS AMIGOS, E QUE, SE NECESSÁRIO, ERA SÓ COLOCÁ-LA NA FOLHA  DO SEU PARLAMENTAR E ESTARIA "TUDO CERTO."

AÍ O INTERESSE CRESCEU. CARAS-ESTUPEFATAS SE APROXIMARAM QUERENDO SABER "COMO ERA ISSO"; QUEIXOS-CAÍDOS AMPARADOS NA PALMA DA MÃO BALBUCIANDO SONS ININTELIGÍVEIS JUNTAVAM-SE À REUNIÃO DE ATÔNITOS; FOI QUANDO O CIDADÃO À FRENTE DELES PERGUNTOU SE NÃO ERA CRIME DE "NEPU...NÃO-O-QUÊ" EMPREGAR PARENTE NA ASSESSORIA DO POLÍTICO. NESSE MOMENTO, O MAIS ESPRUVITADO DELES RESPONDEU, CALMAMENTE, "É SÓ TROCAR; EU EMPREGO O SEU E VOCÊ EMPREGA O MEU;SIMPLES!" E ENTREGOU-LHE UM CARTÃOZINHO COLOCANDO-SE À DISPOSIÇÃO, O QUE FEZ COM TODOS OS "PRÓXIMOS", FRISANDO QUE O "DOTÔ"PUREZA JAMAIS PERDERA MANDATO PORQUE TRABALHAVA PARA O "POUVO!" E MOSTROU-LHE NO VERSO DO MESMO CARTÃO O CONTATO COM O "DOTÔ" BOQUINHA, OUTRO, SEGUNDO O MESMO, QUE ERA UM HOMEM DEDICADO À "COUSA PÔUBLICA! ÔME DE BEM!", FINALIZOU.

MAS ATRÁS DO DITO CARTÃOZINHO TINHA ALGO MUITO "ENGRAÇADO", PELO  MENOS POR SE TRATAR DE  DOIS "VELHINHOS" QUE ESTAVAM DISTRIBUINDO. É O TEXTO QUE SE SEGUE:
 "PRECE DO IDOSO:
                                                      QUANDO A GENTE ENVELHECE,
                                                      QUANDO A COISA TRISTE ACONTECE,
                                                      O CABELO EMBRANQUECE,
                                                      A SOMBRANCELHA CRESCE,
                                                      O ROSTO ENRUGUECE,
                                                      O DENTE APODRECE,
                                                      A VISTA ESCURECE,
                                                      O REUMATISMO APARECE,
                                                      A PERNA NÃO OBEDECE,
                                                      A BARRIGA CRESCE,
                                                      O SACO DESCE,
                                                      O MEMBRO ESFALECE,
                                                      O TESÃO DESAPARECE,
                                                      A MULHER OFERECE,
                                                      A GENTE AGRADECE
                                                      E DIZ: AH! SE EU PUDESSE...
                                                      MAS JÁ ESTOU NO INPS
                                                      COM O ROSÁRIO NA MÃO
                                                      FAZENDO PRECE..."

AOS TRÊS VEIO JUNTAR-SE UMA SENHORA ESBELTA, CABELOS BRANCOS COMO ALGODÃO, PRESOS EM "COQUE", USANDO ÓCULOS "PINCINÊ" E APOIADA EM MULETAS "CASTOADAS" DE DOURADO, TRANJANDO LONGO VESTIDO DE SEDA COLORIDA, TODO DECORADO COM AQUELES BICHOS SAGRADOS LÁ DA ÍNDIA, OBSERVANDO SECAMENTE QUE " SE NÃO PODEMOS REVISAR A APOSENTADORIA DEVIDO AO ÍNDICE DE REAJUSTE SER INFERIOR AO DO SALÁRIO MÍNIMO, ENTÃO A SAÍDA É UM PARENTE NA POLÍTICA QUE NOS PONHA NA FOLHA DE PAGAMENTO, SENÃO MORREMOS À MÍNGUA!", ARREMATOU E FOI PAR O CAIXA.

BOM, DEPOIS DESSE CHÁ DE FILA ADOÇADO COM NEPOTISMO À MODA ANTIGA, FIZ MEU SAQUE E VOU-ME EMBORA; TCHAU!
*&*

domingo, 12 de abril de 2015

Terra De Posse * Antonio Cabral Filho - RJ


Nasci em 14 de agosto de 1953, no povoado de Jampruca, então Distrito do Município de Frei Inocêncio, Estado de Minas Gerais. O local era uma carvoaria. Meus pais e demais familiares, parte formada por Nativos e parte brancos, portugueses e italianos, sobreviviam disso. Na época, anos 50, haviam na região conflitos agrários envolvendo os dois lados da família, dividida entre "grileiros" e população Nativa, na disputa pelas terras, muito férteis naquela região do leste mineiro, pelo menos àquele período. 

Não tenho lembranças precisas das ocorrências sobre os embates dos quais meu pai participava, mas lembro-me, muito bem, de sairmos no meio de uma noite, montados em burros, seguindo por uma estrada de rodagem, às vezes quase esmagados porcarretas carregadas de toras de madeira, que passavam por nós tocando suas buzinas e nos intoxicando com a nuvem de poeira vermelha que levantavam.  

Viajamos até ao anoitecer, quando chegamos em um local, que muito tempo depois, eu fiquei sabendo chamava-se Colatina. Estávamos no Estado do Espírito Santo. Hospedamos na casa da Vovó Olinda, à beira de um rio imenso, muito perigoso, devido à forte correnteza de suas águas. Era o Rio Doce, na sua parte Capixaba, contou-me meu Avô, enquanto pescávamos, sentados em uma pinguela que cruzava o rio.

Daí, da casa dos meu avós paternos, fomos morar no meio de um cafezal, numa localidade chamada Laranjinha. Aí, nasceu e morreu meu irmão José Maria, que não resistiu à inanição. Logo depois, meu pai conseguiu uma "Terra de Posse", para onde nos transferimos. Moramos em redes não sei quanto tempo, mas construimos uma belacasa de alvenaria, no meio da floresta, com tijolos feitos e queimados por nós, pois a terra vermelha é ótima para cerâmicas em geral.

Não demorou e apareceu proposta de compra da "nossa propriedade", como se dizia na ocasião; e meu pai não pensou duas vezes, inclusive por temor à "grilagem". Pegou aquele dinheirinho e partimos de volta para o Frei Inocêncio-MG, aonde um tio meu era gerente de fazenda e nos alojou como agregados, até meu pai conseguir comprar uma nova terra. 

Mais do que rápido, meu pai adquiriu um sítio na alto da Serra do Paiol, local com vistas para toda a região, de onde eu e meu segundo irmão José Maria da Penha, nos setávamos no topo da Pedra do Urubu, ponto mais alto de toda aquela redondeza, e ficávamos contando carros; carros de passeio eram dele e carros de carga eram meus. Como na futura Rodovia Rio-Bahia não passavam carros de passeio, eu ganhava sempre !

É daí que vem a minha atração pelas cidades grandes, porque eu era louco para saber aonde iam tantos carros, tantas carretas, safras e mais safras de arroz, feijão, milho, abóbora, mamão, cana, porcos, galinhas, gaiolas cheias de bois...

MEU LINK NO AVAAZ
http://www.avaaz.org/po/20mm_story_page/?tQouicb&story_id=2824
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domingo, 5 de abril de 2015

Crônica Do Treze / Caçuá De Crônicas Do Suaçui * Antonio Cabral Filho - Rj

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(botefee.blogspot.com)

CRÔNICA DO TREZE
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Treze é número diabólico,
não há mesmo quem o negue,
mas todo bruxo procura
um diabo que os carregue.
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Dizem que astrologicamente é neutro, mas o azar campeia na sexta-feira treze!
Particularmente, 
não tenho superstição, mas creio no seu parentesco com as bruxas: que ambas existem, existem.
Por exemplo, as letras A e C , iniciais dos nomes meu e de meu pai, serem usadas como marca gravadas nos animais, não seria espiritualmente correto, por lembrarem " Anti Cristo".
Porém, lhe sugeriram convertê-las em números, e, desde então o 13 virou seu patuá.
Era treze no cordão, no anel, na fivela do cinto, nas camisas do Cruzeiro, nos bonés etc. 
Mas tinham também os treze especiais, como na porteira da fazenda, para espantar olho-grande; nas portas de nossa casa contra todo tipo de mal; na coronha do rifle para dar sorte nas caçadas; até descobrir que seu nome, Antonio Cabral, tinha treze letras. Passou a gostar tanto do número treze que registrou-me como nascido no dia treze, mesmo sabendo que foi no dia 14.
Meu pai não gostava de nada preto. Nada. Nem cachorro, nem gato, nem galo e muito menos cavalo, devido à ideia de que o cavalo banco é que atraía fluídos positivos e por ser a cor do cavalo de São Jorge. 
Mas, certa vez, catirando ali pelas imediações da Usiminas, viu um potrinho preto retinto com uma lua branca bem no meio da testa tão bonito, mas tão bonito, que ficou fascindo com ele e comprou-o. No primeiro dia treze seguinte, marcou-o com o treze bem na testa, bem no meio da lua branca. Foi o mais lindo cavalo árabe já visto no Vale do Aço mineiro.
Papai dizia que ninguém roubava nosso gado nem nossos animais graças ao treze da marca, devido à superstição.

Certo ou não, quem sou eu pra discutir o assunto... Mas que é verdade é, ninguém roubava nossos bichos.
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